Gazeta do Povo analisou 51 dos 102 processos que resultaram em R$ 1,9 milhão de seguro por morte ou invalidez. Há casos controversos.
André Rodrigues/Gazeta do Povo
O cabo Sérgio Neves estava de sobreaviso para um plantão quando foi morto na porta da igreja que frequentava com a família
A cada três ocorrências que resultaram em morte ou invalidez de policiais no Paraná, uma aconteceu quando o agente público estava em horário de folga ou no deslocamento entre a casa e o trabalho. A relação foi levantada pela Gazeta do Povo, que teve acesso aos dados de 51 dos 102 processos de indenização gerados ou concluídos entre 2004 e 2012. A consulta se deu após o jornal registrar um pedido via Lei de Acesso à Informação na Secretaria de Segurança Pública do Paraná.
Levando em consideração esses 51 processos, foram pagos mais de R$ 1,9 milhão a título de seguros indenizatórios a policiais militares, civis e agentes penitenciários ou às famílias. Desse total, R$ 307,5 mil foram pagos por morte durante a folga. De acordo com o Decreto Estadual n.º 5.869/2005, os agentes de segurança ou suas famílias têm direito ao benefício mesmo em ocorrências fora do horário de trabalho. Uma sindicância, porém, é instaurada para comprovar se ele estava em efetivo exercício da função.
Segundo apuração da reportagem, há casos, por exemplo, como o do soldado Nazareno Correa dos Santos, morto em março de 2009 durante um roubo à Panificadora da Família, no Capão Raso, em Curitiba. Diferentemente de outros processos, nesse caso há menção da suspeita de que Santos fizesse “bico” no comércio. À época da sindicância, porém, testemunhas e familiares refutaram essa hipótese.
A reportagem conversou com uma funcionária da panificadora. Ela afirmou que o policial era vigia do local. Após a confirmação, contudo, Diva Trevisan Moreno, proprietária da padaria, desmentiu a empregada. “Não lembro direito o nome do policial. Só sei que ele estava fazendo um lanche e veio me defender ao ouvir a voz de assalto”, afirmou.
Já no caso da família do cabo Sérgio Neves não houve dúvida sobre a legalidade do pagamento. No dia 7 de agosto de 2009, ele estava de sobreaviso para um plantão e foi vítima de um roubo na porta da igreja que frequentava com a família. “Ele não estava fardado, mas o assaltante deve ter percebido e atirou”, lamenta um parente do PM, que prefere não se identificar.
Outros R$ 370 mil foram pagos em consequência de fatos ocorridos no deslocamento entre a casa do funcionário e o local onde ele prestava serviço. Esse foi o caso de Sandra Kais, que recebeu R$ 100 mil do governo do Paraná após perder o marido, o soldado Marcelino Kais, morto em dezembro de 2006.
O soldado foi baleado dentro de um ônibus, aos 47 anos, a dois da aposentadoria, quando viajava de Campina Grande do Sul sentido Curitiba, onde trabalhava. “O que deveria mudar é que todo mundo que tem direito à gratuidade [no transporte coletivo] só mostra uma carteirinha e o policial precisa estar fardado. Como ele estava de farda, foi o primeiro que os bandidos quiseram eliminar”, lamenta a viúva.
Indenização leva até 3 anos para ser paga
Além da dor da perda do ente querido ou do drama vivido por policiais que ficaram inválidos, famílias de agentes de segurança têm de conviver com uma longa espera pelas indenizações, previstas na Lei n.º 14.268/03, promulgada na gestão do então governador Roberto Requião.
Levando em consideração os 51 processos analisados pela Gazeta do Povo, em média, os familiares esperam 34 meses entre a data da ocorrência e o efetivo pagamento das indenizações. Considerando a data do pedido, esse prazo cai para um ano de espera. A solicitação só é feita depois da conclusão da sindicância que apura as ocorrências.
Eliana Meliza Nunes de Souza, por exemplo, aguardou mais de sete anos para ser indenizada pela morte do marido, o soldado Márcio Nunes de Souza. O crime ocorreu em janeiro de 2004, quando os dois estavam em um baile. O policial teria sido vítima de acerto de contas e um adolescente confessou o crime. Ele foi solto após cumprir medida sócio-educativa.
“Faltou assistência da corporação. Tive que ir atrás de tudo e quem me ajudou foi um compadre nosso, que é polícia”, disse Eliana, que também reclama de ainda não ter saído a promoção “post mortem” do policial, o que elevará o valor da pensão recebida pela família. Eliana teve três filhos com o soldado. À época do crime, as crianças tinham 5, 7 e 9 anos. A mais velha delas, Luana Carolina, hoje com 19 anos, sonha em ser policial. “A família não gostou muito [desse sonho], mas é o que ela decidiu. É a profissão que o pai dela gostava”.
Questionada sobre esses prazos, a Sesp informou que os processos seguem seus trâmites normais e que dependem da indexação e análise de documentos.
O Decreto Estadual n.º 5.869/2005 considera ainda acidente em serviço aquele que, embora não seja a causa única e exclusiva da morte, da perda da capacidade laborativa ou da redução dela, possua relação de causa e efeito entre o evento e a morte ou entre ele e a incapacidade do Militar Estadual.
Controvérsia
Morte de investigador suspeito de prevaricação rende R$ 100 mil à família
Entre atos comprovadamente heróicos de policiais que morrem em serviço, há casos polêmicos como o do investigador Rommel do Brasil Prudente Lima, morto em novembro de 2008 durante tentativa de fuga de presos da carceragem do Distrito Policial de Almirante Tamandaré. No processo havia a suspeita de que Brasil, como era conhecido, facilitaria visitas íntimas aos presos fora do horário regular em troca de R$ 20.
Em uma dessas visitas, uma mulher teria levado uma arma, usada na tentativa de fuga que vitimou o investigador. “Tínhamos que pagar ao seu Brasil para visitas que iam de 20 a 30 minutos”, afirmou em entrevista por telefone Andréia Roberto de Lima, umas das três testemunhas da rebelião em Almirante Tamandaré que confirmaram o suborno.
A reportagem procurou Renato Bastos Figueiroa, atual titular da Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos e superintendente responsável pela apuração da morte do investigador. Ele afirmou não se lembrar do caso. Na página 158 do processo, o superintendente e o delegado titular reconhecem a irregularidade das visitas, mas “enaltecem o funcionário vítima nos autos, o qual era tido como exemplar e cumpridor de suas obrigações”.
A família do policial não foi encontrada para comentar o caso. A Secretaria de Segurança Pública informou que não comenta detalhes dos processos e que os pagamentos foram autorizados após análise da Assessoria Jurídica da pasta.
Invalidez
Nem R$ 1 milhão cobre a perda de um olho, diz policial acidentado
Pouco tempo depois de realizar o sonho de concluir sua formação na Academia do Guatupê, o policial militar da reserva Avimar do Carmo Rios viu seu projeto de vida desmoronar depois de um acidente de trânsito.
Em dezembro de 2006, durante uma perseguição a suspeitos, a viatura onde Rios estava colidiu com um caminhão – acidente que encurtou em 3 centímetros uma de suas pernas e o deixou cego do olho esquerdo. “Gostaria de ter continuado [na polícia]. Mas qual batalhão que iria me aceitar sem a visão de um olho?”.
O ex-soldado recebeu R$ 18 mil a título de indenização pelo acidente. O valor máximo por invalidez é de R$ 50 mil, mas essa quantia depende da gravidade e extensão das lesões sofridas pelo agente de segurança. Esse valor máximo é pago, por exemplo, a funcionários que tiveram perda total da visão dos dois olhos. “Nem que eu recebesse R$ 1 milhão seria justo”, diz o PM.
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R$ 307,5 mil de R$ 1,9 milhão em indenizações pagas entre 2004 e 2012 foram referentes a policiais mortos durante a folga. Outros R$ 370 mil se referem a agentes da segurança públicas que morreram no trajeto de casa para o trabalho, e vice-versa. O restante se refere a seguros pagos a familiares de policiais mortos efetivamente em serviço, ou a eles próprios no caso de invalidez decorrente de acidente de trabalho.
Fonte: Jornal Gazeta do Povo
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