Hospitais fecharam 20.491 vagas destinadas ao tratamento de transtornos mentais e dependência química desde 2001.
Josué Teixeira/ Gazeta do Povo
Internação nem sempre é o melhor remédio - Paciente de um Centro de Atenção Psicossocial (Caps) em Ponta Grossa, nos Campos Gerais, Gisele (*) é um exemplo de que nem sempre a internação é o melhor remédio. Ela sofre de síndrome do pânico e depressão profunda e diz que já pensou em suicídio. Mãe de três filhos, casada e funcionária pública, procurou o Caps para se tratar. “Faz um ano que estou aqui e estou melhorando muito. Tomo dois tipos de remédios todos os dias e ainda pratico atividades terapêuticas, como música e artesanato”, afirma. Ela recebe tratamento psicológico e psiquiátrico uma vez por semana. Mesmo assim, Gisele também compartilha a percepção geral de que faltam locais para internar pacientes que sofrem surtos psíquicos. “Precisa-se de mais leitos para diminuir a fila. Mas não pode ser aquele hospital estilo hospício”, opina. * Nome fictício
Desde que a Lei da Reforma Psiquiátrica foi sancionada, em 2001, o Brasil não para de perder leitos destinados ao tratamento de pessoas com transtornos psíquicos ou dependência química. Foram 20.491 em todo o período – 1.170 no Paraná, segundo o Banco de Dados do Sistema Único de Saúde (Datasus). Nem a política de enfrentamento ao crack, lançada no ano passado pelo governo federal com a promessa de pagar melhor os hospitais, conseguiu frear a tendência de fechamento de leitos. Em janeiro, o Hospital Filadélfia, em Marechal Cândido Rondon (Oeste do estado), fechou 250 leitos que atendiam pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A redução de leitos diminui as chances de internamento dos doentes, já que nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) este procedimento não é possível. “Os leitos foram praticamente extintos e não se criou nada para compensar. Agora, essa nova política contra o crack esbarra justamente na baixa oferta de leitos. É um funil que não tem mais para onde escoar. A situação tende a ficar ainda pior”, opina o presidente da Sociedade Paranaense de Psiquiatria, André Rotta.
Por trás da extinção de vagas está o valor das diárias pagas pelo governo federal, considerado baixo pelos hospitais psiquiátricos. As diárias variam de R$ 38,59 a R$ 49,70 por paciente, conforme a capacidade da instituição. “O hospital tem de tirar dinheiro do próprio bolso para poder financiar o tratamento. Se continuar assim outros hospitais vão fechar as portas”, afirma Rotta.
O Hospital Filadélfia prestava atendimento a 152 municípios, que abrigam uma população de aproximadamente 2,5 milhões de pessoas. Por falta de verba, se viu obrigado a desativar os leitos. “Não temos mais condições financeiras para continuar prestando o serviço. Estamos terminando o tratamento de 35 pacientes até março e vamos parar de atender definitivamente. No ano passado, tivemos um prejuízo de R$ 1 milhão devido à falta de ajuda financeira do governo federal”, afirma a diretora da instituição, Ana Carolina Seyboth Kurtz. O custo médio de um paciente por dia varia de R$ 150 a R$ 230, de acordo com ela.
Para a diretora do Hospital Psiquiátrico de Maringá, Maria Emilia Parisot de Mendonça, está havendo uma inversão de papéis. “A gente está subsidiando o governo em um papel que cabe a ele fazer, que é dar um serviço de saúde pública de qualidade”, diz.
Sem hospitalização
Se a recomendação da Organização Mundial da Saúde de haver um leito psiquiátrico para cada grupo de mil pessoas fosse cumprida, o país teria de abrir mais 142 mil leitos e o Paraná, mais 7 mil. “Mas a gente não trabalha mais com esse número. A nova abordagem para tratar transtornos é a de hospitalizar em último caso. Procuramos tratar de outras maneiras, em núcleos de apoio e os Caps. Com uma atenção primária bem manejada, não são necessários tantos leitos”, defende a superintendente de Atenção Primária à Saúde da Secretaria de Estado da Saúde, Márcia Huçulak.
O Ministério da Saúde informou, via assessoria de comunicação, que o foco da hospitalização como centro ou única possibilidade de tratamento aos dependentes químicos não existe mais e que, de 2002 a 2011, o orçamento para a Política Nacional de Saúde Mental aumentou três vezes – de R$ 620 milhões para R$ 1,8 bilhão ao ano.
“A defasagem não é tão grande assim”
A superintendente da Secretaria de Saúde do Paraná, Márcia Huçulak, considera que a defasagem de leitos psiquiátricos não é preocupante. “Houve investimentos em outros setores que, com o avanço da medicina, colaboram para o tratamento do paciente psiquiátrico de outra forma que não seja o internamento”, diz. Ela concorda que o valor da diária paga pelo SUS não é o ideal. “Por isso damos uma ajuda de custo sobre essa diária de aproximadamente 25% do que o governo federal repassa. Nos casos dos adolescentes esse valor é de R$ 75”, explica.
“Os leitos são só uma parte do tratamento, que inclui comunidades terapêuticas, Caps, núcleos de apoio, ambulatórios, entre outros. Precisamos de leitos, sim, principalmente em casos de usuários de drogas. É difícil tratar isso em um ambulatório. Mas não estamos com uma defasagem tão grande”, diz.
No Paraná, hoje existem 92 Caps, 54 ambulatórios de saúde mental e três casas de acolhimento transitório. No Brasil, o número de Caps, por exemplo, passou de 295 em 2001 para 1.750 neste ano.
Preocupação
Segundo o presidente da Sociedade Paranaense de Psiquiatria, André Rotta, todas as formas de tratamento têm seu valor, mas não há como controlar um paciente em crise se não houver leito. “É essencial ter onde internar, caso contrário, teremos situações, que já aconteceram, de pais amarrando os filhos em casa para controlar um surto psíquico ou uma ‘fissura’ pela falta de uma droga”.
Ministério
Plano prevê atendimento em hospitais gerais
O Ministério da Saúde quer abrir 3.508 novos leitos em hospitais gerais para o tratamento de usuários de drogas. Ao todo, serão investidos R$ 670 milhões nas melhorias, que fazem parte do programa “Crack, é possível vencer”, lançado em dezembro passado pela presidente Dilma Rousseff. Estados e municípios devem aderir às ações do programa.
Para incentivar a criação desses novos leitos, será repassado aos estados e municípios um incentivo de implantação, que varia de acordo com as vagas ofertadas. Unidades com até cinco leitos vão receber R$ 18 mil para a implantação; hospitais com seis a dez vagas, R$ 33 mil; aqueles com 11 a 20 leitos, R$ 66 mil; e os maiores, com número de leitos entre 21 e 30, R$ 99 mil. Também haverá um aumento nos valores das diárias em até 250%. Os hospitais gerais passarão a receber R$ 300 por dia para os sete primeiros dias de internação dos pacientes com distúrbios psíquicos ou problemas com drogas. Do 8º ao 15º, a diária passa para R$ 100. A partir do 16º, o valor se estabiliza em R$ 57.
Críticas
No entanto, a medida não agrada a especialistas da área. Para eles, o incentivo em criar leitos em hospitais gerais não irá atingir os objetivos. “Imagine você acompanhando sua mulher em trabalho de parto com um paciente surtando no quarto ao lado? Os hospitais psiquiátricos estão mais gabaritados para lidar com essa situação. Não se pode colocar em risco outras pessoas nem o próprio paciente”, diz a diretora do Hospital Filadélfia, Ana Carolina Seyboth Kurtz. Além disso, ela afirma que o tempo de tratamento estimado pelo governo não corresponde à realidade. “Uma ‘fissura’ pela falta da droga leva aproximadamente 14 dias para passar”.
O presidente da Sociedade Paranaense de Psiquiatria, André Rotta, acredita que deveriam existir incentivos aos hospitais psiquiátricos. “Tem muita gente com transtorno mental que não consegue vaga de internamento em leitos públicos. Em uma clínica particular a diária chega a R$ 700, sem a medicação”, ressalta.
Já a superintendente da Secretaria de Saúde do Paraná, Márcia Huçulak, afirma que esse estigma deve ter um ponto final. “A meta é deixar a pessoa o menos tempo possível dentro de um hospital e promover a reinserção social do paciente. Não existe mais a ideia de um manicômio em que a pessoa fica por um ano ou mais”, afirma.
Fonte: Jornal Gazeta do Povo
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