terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Vizinhos unidos pela troca da capelinha.

Além de propagar a fé, santinha que passa de casa em casa também desempenha outros papéis, como o de fazer com que as pessoas conheçam ao menos quem mora ao lado.

Antônio More / Gazeta do Povo
Antônio More / Gazeta do Povo / Na Paróquia Nossa Senhora das Mercês, 950 pessoas se revezam nos cuidados com as cerca de 50 capelinhas
Na Paróquia Nossa Senhora das Mercês, 950 pessoas se revezam nos cuidados com as cerca de 50 capelinhas
Para quem acha que capelinha, passando de casa em casa, é coisa de avó ou de cidade do interior, está enganado. Só em Curitiba, cerca de 1 milhão de pessoas estão cadastradas para receber a visita da santa de sua paróquia no conforto do lar. O costume, chamado de Movimento das Capelinhas, completa neste ano o seu 75.º aniversário. 

Para cada capelinha há uma mensageira, que é a pessoa encarregada de coordenar a lista de moradores que participam do movimento, além de manter em bom estado a capelinha e cuidar das ofertas enviadas pelos moradores. A visita da santa é um evento nas casas das pessoas que a recebem: dura 24 horas e ela costuma ganhar um lugar de destaque. Outro pedido é para que, pelo menos em algum momento, pais e filhos se reúnam, rezem o terço ou façam uma oração diante dela.

“Dessa forma a gente estimula a união da família que anda se perdendo na correria dos dias”, afirma a coordenadora do Movi-mento das Capelinhas na Arqui-diocese de Curitiba, Natalia Batiuk Bodachne. Mas a santa, além de reavivar as orações e unir os lares, tem cumprido outros milagres: um deles é o de fazer com que vizinhos, nos dias corridos de hoje em dia, se conheçam e conversem, fortalecendo a convivência em sociedade.

Cada santa carrega uma lista de aproximadamente 20 nomes das pessoas que querem recebê-la. O ato de o vizinho levar, no início da noite, a capelinha para o próximo da lista estimula o diálogo entre os moradores. “É uma forma de saber se o vizinho está bem de saúde, se precisa de oração. Nessa rápida conversa a gente pode ajudar”, conta a coordenadora da capelinha na Paróquia Nossa Senhora das Mercês, Alcione Bertolli Silla. Só no bairro Mercês são cerca de 950 famílias atendidas pelo movimento. Para dar conta do recado, foram feitas 50 capelinhas.
Amizade
A cada nova entrega da capelinha, os laços de amizade são fortalecidos. Essa relação de confiança criada entre a população é o que gera o capital social de um determinado lugar. E, apesar desse conceito parecer subjetivo, ele pode interferir diretamente em outros setores.
O capital social é apoiado em três pontos vitais para seu funcionamento: a confiança, a cooperação e a participação mútua. Segundo a cientista política Rosana Katia Nazzari, professora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), a confiança é a chave de qualquer boa relação, porque é baseado nela que o indivíduo respeita o outro e consegue viver em comunidade. “Essas ações, em um círculo virtuoso, é que permitem à sociedade caminhar para o desenvolvimento sustentável”, explica. Na urgência em que o mundo vive, é comum que as pessoas não consigam parar para conversar com os vizinhos da rua ou do apartamento ao lado. Isso, segundo especialistas, faz com que o círculo de confiança fique restrito à família. O que não é bom.
Luciana Fernandes Veiga, coordenadora da pós-graduação em Ciências Políticas da Universidade Federal do Paraná, explica que é fundamental – para que a sociedade se desenvolva – que as pessoas aprendam a confiar nos laços com vizinhos e colegas de trabalho. “É preciso pensar em ações coletivas. Aprender que poderoso não é o que tem mais recursos, mas que a união traz o poder.”
Corrupção é menor onde há maior confiança
A relação entre capital social elevado e o sucesso da organização econômica e até política de determinada região tornou-se área de pesquisa do cientista político britânico Robert Putnam. Ele afirma em suas publicações que, em cidades com fortes movimentos sociais e onde há maior confiança entre a população, as taxas de corrupção são menores. Putnam teve a oportunidade de estudar o motivo pelo qual fazia o Norte da Itália ser mais desenvolvido socialmente do que a região Sul. Ele descobriu que em todo o país existiam aqueles que se mobilizavam buscando somente os interesses pessoais ou da família (familhistas) e os que procuravam soluções coletivas para um bem comum (agregadores congênitos). A conclusão foi a de que as cidades do Sul sofriam com os familhistas por uma questão histórica.
“O clientelismo e o familhismo encontrado por Putnam no Sul da Itália ainda são muito fortes no Brasil. A população vota e espera que as soluções venham sempre do mais poderoso. Isso já está enraizado em nossa cultura, mas precisamos entender que o poder é horizontal e não vertical”, afirma a doutora em Ciência Política e professora da Unioeste Rosana Katia Nazzari.
Por esse motivo, Rosana diz ser importante que haja o bom relacionamento entre a vizinhança e que os laços de amizade sejam mais valorizados. A cientista ainda cita o fato de regiões onde o capital social não é valorizado apresentarem uma série de problemas urbanos bem conhecidos: falta de motivação dos jovens na área de educação, altas taxas de desemprego, depressão e falta de segurança. “Um jovem que entra no mercado de trabalho e vê que empresários e políticos costumam empregar parentes, em vez de profissionais de qualidade, acaba perdendo o interesse em cursar uma faculdade ou curso técnico.”

Nos bairros
Comunidade ajuda a cuidar da segurança
É baseada na relação de confiabilidade que alguns bairros têm adotado o programa Vizinho Solidário. Ele consiste em integrar os moradores de uma mesma rua para que possam se ajudar quando necessário. Maria Inês Picolo, 52 anos, presidente da associação de moradores dos bairros Tokio, Jamaica, Versalhes, Industrial e Pinheiros, em Londrina, conheceu o programa pela televisão. Decidiu, então, implantá-lo em sua associação. Até agora, tem dado certo.
Aos que participam da rede, é entregue uma plaquinha com o nome do programa e um apito, além dos números de telefone dos vizinhos mais próximos. Desde a implantação desse sistema, há seis meses, ainda não aconteceu nada de grave na vizinhança, mas Maria Inês já provou que funciona. “Uma noite ouvi vozes do lado de fora do muro da minha casa. Por ele ser alto, eu não conseguia enxergar quem era. Liguei para a vizinha da frente, que, na hora, já identificou os meninos e disse que eram conhecidos nossos”.

Fonte: Jornal Gazeta do Povo

Nenhum comentário: