Proporção de devedores com menos de 20 anos supera de longe as demais faixas etárias; consequências são graves, afirmam analistas.
Marcelo Elias/ Gazeta do Povo
Loja de calçados e roupas em Curitiba: setor está entre os que mais recebem cheques sem
fundos de jovens com até 20 anos
Os jovens estão no topo da inadimplência quando o meio de pagamento é o cheque, segundo um levantamento feito pela TeleCheques, empresa de análise de crédito especialista na modalidade. De acordo com a pesquisa, 16,92% das pessoas de até 20 anos que usam talões de cheque estavam devendo no primeiro semestre de 2011. Segundo analistas, o apelo do consumo entre a emergente classe C, aliado à falta de educação financeira, está levando os jovens a se endividar acima de sua capacidade, o que atrapalha suas perspectivas de uma vida econômica estável no futuro.
Apesar de liderarem com folga o ranking dos devedores no cheque especial, os jovens de até 20 anos têm o menor ticket médio entre os grupos pesquisados: eles devem, em média, R$ 241,44. Analisando a proporção de devedores e os gastos médios dos jovens, o professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e consultor de finanças pessoais do Itaú Jurandir Macedo acredita que o perfil desses endividados seja, em geral, o de um jovem de classes mais baixas, que sofre o apelo de compras do varejo e tem pouca educação financeira. Ou seja, pessoas que estão no início de sua “vida econômica”, com altos gastos e sem preparo efetivo para isso. “Para planejar de maneira correta os gastos, é fundamental aprender as noções de limites e de prazos: nem tudo é possível de ser comprado, assim como nem tudo é para já. Esses jovens não tiveram essa lição e ainda não possuem nos pais um modelo positivo para isso”, diz Macedo.
Segundo o professor da UFSC, gastos comuns para esta faixa da população seriam, por exemplo, a aquisição de roupas e telefones celulares, e até de itens mais caros, como motos. Segundo a pesquisa, os setores que mais recebem os cheques sem fundos dos jovens são justamente os de vestuário, calçados e eletrônicos. “Além disso, as gerações atuais estão cercadas de facilidades, ao contrário de décadas atrás, quando o crédito era raro, ainda mais para alguém desta faixa de idade. Temos, então, dois fatores principais: a disponibilidade maior de crédito e uma carência brutal na educação financeira”, afirma o consultor.
O professor de Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV) Sérgio Bessa afirma que a falta de conhecimento para planejar os gastos acaba deixando esses jovens em uma situação frágil. “São pessoas que estão abrindo suas primeiras contas correntes agora e já têm certo crédito disponível nos bancos. Sem possuir controle, no entanto, em pouco tempo eles acabam ultrapassando esses limites e já se veem em meio a dívidas”, afirma.
As consequências, acrescenta Bessa, podem ser graves. É comum que as dívidas se acumulem cada vez mais – tanto pela falta de disciplina, que leva a novas compras a cada mês, em vez de um aperto nos gastos, como também pela dificuldade futura para conseguir novos financiamentos. “Com um nome sujo na praça, acaba sendo mais difícil ter crédito nas lojas. Sem contar que até empresas que estão contratando funcionários olham cadastros de endividados para evitar suas contratações. Pensar que tudo isso pode acontecer no começo da vida adulta é ainda pior”, diz o professor.
90 milhões de cheques são compensados todo mês, diz Febraban
Por mais que o uso de cheques venha diminuindo acentuadamente, há ainda um volume relevante de clientes que utilizam a modalidade. De acordo com dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o número de cheques compensados caiu pela metade em dez anos: de 2,638 bilhões em 2000 para 1,12 bilhão no ano passado. No entanto, a instituição ainda calcula que 90 milhões de operações com cheques sejam feitas por mês no Brasil.
Uma das práticas mais comuns no país é a do pré-datado, servindo como meio de pagamento que permite compras a prazo pelos clientes. “Isso ainda é muito comum para alguns setores e acaba sendo utilizado por pessoas que ainda não têm acesso ao cartão de crédito – que, em alguns casos, ainda tem uma oferta mais restrita”, diz Sérgio Bessa, professor de Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Segundo Bessa, a modalidade também agrada alguns lojistas, que acabam não tendo as taxas cobradas pelas administradoras de cartões. No entanto, eles assumem o risco por estarem desprotegidos em caso de cheques sem fundos.
No bolso
Franco Iacomini, colunista de Finanças Pessoais
O dilema do vendedor
De posse das estatísticas citadas na matéria, imagine-se como dono de uma loja. Diante de você, no balcão, está um jovem de seus 19 anos, querendo fazer uma compra qualquer, e já com o talão de cheques na mão. O que você diria a ele? Que não aceita cheques de menores de 21?
Para não perder a venda, é melhor dar um desconto para a piazada – literal e figurativamente. Com o desconto literal, você dá a eles condições de pagar à vista. O desconto figurativo (ou seja, um voto de confiança) é porque ele é inexperiente.
Não está bem clara a razão dessa inadimplência juvenil. Pode ser causada pela inconsequência típica da idade, mas também pode ser que eles estejam se endividando por outros, emprestando folhas de cheque a parentes e amigos. Se for isso, pior: é sinal de que a família está tão enforcada que resolveu recorrer a um CPF novinho para continuar comprando. Essa turma cresceu assistindo a isso. Como esperar que se comportasse de outra forma?
Há ainda a possibilidade de a juventude estar pagando pela falta de hábito de manter controles financeiros – afinal, é bem provável que ninguém tenha ensinado isso a ele. Os brasileiros, em geral, andaram se endividando muito nos últimos anos.
De toda forma, não convém estigmatizar o consumidor, mas dar a eles condições de tomar decisões melhores.
Fonte: Jornal Gazeta do Povo
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