quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Auditoria aponta favorecimento na licitação do transporte de Curitiba.

Comissão diz que a Urbs desconsiderou parecer jurídico e lançou edital com alterações que beneficiaram as 11 empresas vencedoras.

Marcelo Andrade/ Gazeta do Povo
Marcelo Andrade/ Gazeta do Povo / Usuários enfrentam ônibus lotado na capital: três anos depois, concessão não melhorou o serviço
Usuários enfrentam ônibus lotado na capital: três anos depois, concessão não melhorou o serviço
O edital de concessão do sistema de transporte coletivo de Curitiba foi lançado pela Urbanização de Curitiba S/A (Urbs), em 2010, sem a aprovação jurídica do próprio órgão, contrariando a Lei de Licitações (8.666/93). Segundo relatório preliminar da Comissão de Auditoria da Urbs divulgado ontem, o edital sofreu alterações que não foram submetidas à análise do departamento jurídico e nenhuma das recomendações feitas pelos advogados com base no rascunho do edital foram acatadas.
O artigo 38 da Lei de Lici­tações prevê que “as minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes, devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da administração.” No entendimento da comissão, as mudanças teriam reduzido a concorrência, beneficiando as 11 empresas que venceram a licitação.
Para o prefeito Gustavo Fruet (PDT), há indícios de favorecimento no processo. “O relatório aponta [favorecimento], mas para afirmar isso precisamos dar tempo ao contraditório das empresas”, disse Fruet, que determinou que o documento seja encaminhado ao Tribunal de Contas do Estado, Ministério Público e Câmara de Vereadores.
Apesar da suspeita de irregularidades, o prefeito preferiu não se pronunciar sobre a possibilidade de cancelar as concessões, caso seja comprovada alguma fraude no processo. “Preciso ter cuidado nesse processo”, reforçou.
Outro fato chamou a atenção da comissão – o aviso de licitação foi divulgado seis dias antes do parecer jurídico da Urbs. O primeiro tem data de 23/12/2009 e o segundo de 29/12/2009. “Tal defasagem de datas é indicativa de uma irregularidade processual, eis que parte do especificado no parecer jurídico teria sido atendida somente após a publicação do aviso de licitação”, informa o documento.
A orientação jurídica era de não prosseguimento da concorrência até que fossem sanadas as inconformidades apontadas. Foi recomendada a realização de estudos em quatro áreas: dotação orçamentária (para valor de outorga); idoneidade financeira (índices de liquidez e endividamento das empresas); proposta técnica (exigências de experiência na operação em vias exclusivas e com bilhetagem eletrônica); e proposta comercial (fixação da Taxa Interna de Retorno). A comissão não encontrou nenhum documento que embasasse os valores que foram fixados em edital para esses itens.
Prorrogação
Fruet informou que a auditoria criada em maio será prorrogada por mais 120 dias. Segundo o presidente da Urbs, Roberto Gregório da Silva Júnior, está em fase de finalização o termo de referência para a contratação de uma empresa para colaborar na auditoria interna. “O que já foi acordado é que todos esses trabalhos serão concluídos até o fim do ano para servir de subsídio para a repactuação tarifária no ano que vem”, explica.
“Ninguém foi beneficiado”, diz ex-gestor da Urbs
Presidente da Urbs no período da licitação, Marcos Isfer, rebateu a acusação de que o edital não passou pela procuradoria jurídica do órgão antes da publicação. “Foi totalmente aberto. Todo mundo leu, ficou plenamente analisado.” Segundo ele, as alterações foram feitas exatamente para sanar as irregularidades apontadas anteriormente pelo jurídico. “Foram pequenas alterações, sem prejuízo ou benefício de ninguém. Isso que precisa ficar claro. Querem fazer teatro para aparecer.”
Isfer argumentou que algumas modificações no edital somente traduziram em termos numéricos o que já estava expresso em índices. Em relação a afrouxamentos no edital questionados pelo relatório da comissão – como a diminuição da exigência de uma frota de 150 ônibus para 125 –, Isfer negou qualquer tipo de direcionamento da licitação. “Podemos dizer que deixamos mais fácil para todos, ampliou o poder de participação de todos.”
Ele desmentiu também a afirmação de que os valores pagos pelas concessionárias a título de outorga foram determinados sem a realização de estudos. “Todos os cálculos foram feitos, houve acordos com as empresas e isso resultou no valor da outorga. Nisso está incluso o custo da bilhetagem eletrônica, que implantamos e as empresas pagaram”, explicou.
Procurado pela Gazeta do Povo, o governador Beto Richa (PSDB), que era o prefeito na época da concessão, informou, por meio de assessoria, que não irá comentar o assunto. Já o ex-diretor de Transportes da Urbs, Fernando Gighone, não retornou o contato da reportagem até o fechamento desta edição.
Análise
Vereadores podem pedir revogação da concorrência, diz especialista
O lançamento da licitação sem análise jurídica, embora possível, indica que a Urbs assumiu o risco de futuras contestações judiciais. Para Daniel Ferreira, doutor em Direito do Estado pela PUC-SP e professor do mestrado em Direito do Unicuritiba, a comprovação de irregularidade na elaboração da concorrência pode resultar em anulação do processo. Neste caso, a Câmara de Vereadores tem poder para isso. “O Legislativo é que tem a competência para suspender o contrato”, diz. Ferreira considera grave o fato de o edital ser lançado mesmo com uma recomendação expressa de não prosseguimento do certame antes que fossem sanadas dúvidas técnicas. Ele explica que a partir de agora várias ações podem ser tomadas. A administração pública pode rever seus atos; o Tribunal de Contas pode recomendar a anulação do contrato; o Judiciário pode se manifestar, se acionado por ação popular ou de concorrente do edital; e o Ministério Público pode propor uma ação civil pública por improbidade contra a gestão pública e favorecidos. “Além da própria violação dos princípios, ao que tudo indica, a lesão também é ao erário, já que há subsídio, não apenas ao usuário, porque nós todos pagamos por isso”, avalia.
Denúncia “gravíssima”
Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Urbs na Câmara de Curitiba, o vereador Jorge Bernardi (PDT) considerou “gravíssimas” as suspeitas levantadas pela comissão de auditoria. “Esses 26 tópicos levantados no edital só demonstram que a licitação foi dirigida e é nula.” Segundo Bernardi, as mudanças no edital sem parecer jurídico formal beneficiaram as empresas que já executavam o serviço antes da licitação. “Inclusive, a procuradora jurídica que estava na Urbs, Marilena Winter, saiu do departamento porque não concordou com o que fizeram. Já temos a aprovação para chamá-la na CPI.” Alegando ter parecer publicado no processo, Marilena preferiu não se pronunciar.
Anulação imediata
Três entidades que integram a Comissão de Auditoria da Urbs entregaram ofício ao prefeito Gustavo Fruet em que “exigem a anulação imediata da licitação” do transporte. Segundo o documento, “as diferenças entre o texto analisado pelo jurídico da Urbs e o edital publicado (...) apontam para uma manipulação das regras do certame para impedir a concorrência e direcionar o seu resultado”. Assinam o ofício a Plenária Popular do Transporte Coletivo, o Sindicato dos Engenheiros do Paraná (Senge) e o Sindicato dos Trabalhadores em Urbanização do Paraná (Sindiurbano). As entidades pedem ainda a suspensão de todos os servidores envolvidos na divulgação do edital.
Setransp
O sindicato que representa as empresas que operam o transporte coletivo em Curitiba (Setransp) disse que os empresários nada têm a ver com possíveis indícios de irregularidade na formatação do edital. “Se existem vícios formais, as empresas nem apuraram isso, só analisaram o edital e apresentaram a proposta. É até inusitado ouvir insinuações de favorecimento, porque essa licitação foi horrível para as empresas”, afirmou o advogado da entidade, Sacha Reck. Para ele, a única justificativa para anular os contratos é ficar comprovado que eventuais falhas prejudicaram a concorrência. “Se houver anulação, as empresas, que estão de boa-fé, teriam de ser indenizadas pelo serviço prestado e todos os investimentos realizados”, disse.
Tópicos controversos
Saiba quais foram os pontos modificados no edital de licitação do transporte coletivo de Curitiba sem a aprovação do departamento jurídico da Urbs, de acordo com a comissão de auditoria:
Diferenças
• Objeto: acrescentou um subitem que trata da participação percentual de cada lote.
• Rateio dos Lotes – Outorga: documento analisado pelo jurídico não apresentava valores.
• Aceitação dos Créditos – Outorga: edital publicado limita créditos junto a terceiros.
• Prazo da Concessão: edital publicado determina valor de investimentos em R$ 40 milhões e não prevê atualização.
• Condições de Participação: suprime termos, muda entendimento de empresa para grupo empresarial e de somatórios para atingir padrões de qualificação técnica.
• Idoneidade financeira: exclui Índice de Liquidez Corrente e altera Índice de Endividamento Geral; suprime exigência de patrimônio. líquido (2,85% do valor total estimado no edital) e exige garantia de R$ 10 milhões. Suprime admissão de somatório dos valores de patrimônio líquido nos consórcios.
• Capacidade financeira: muda a comprovação de desempenho na prestação de serviço público (de 150 para 125 veículos de forta e experiência de 60 para 24 meses).
• Capacitação técnica: Muda o entendimento de que a comprovação desse item deve ser de todas as empresas para que possa ser cumprido por apenas uma das integrantes de consórcio.
• Proposta técnica: Reduziu a pontuação nos critérios de julgamento de experiência na operação de transporte coletivo e custo por quilômetro médio .
• Contratação: Reduz o prazo para celebração do contrato de dez para cinco dias.
• Forma de Remuneração e Repactuação: determina que conste a variação de valor contratual, muda critérios para repactuação
• Garantia do contrato: era determinado uma garantia de 0,6% do valor global estimado que passou a ser de R$ 10 milhões no edital publicado.
• Penalidades: a recusa em assinar contrato previa uma multa de R$ 500 mil reajustada pelo INPC foi substituída por perda do contrato
• Condições Gerais do Termo de Referência: redução no prazo para início de operação após assinatura do contrato (de 180 para 90 dias).

Fonte: Jornal Gazeta do Povo

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