sexta-feira, 3 de maio de 2013

CLT completa 70 anos em busca de fôlego novo.

Em sete décadas, Consolidação das Leis do Trabalho recebeu quase 500 alterações em seu texto, mesmo assim ainda não há consenso sobre a necessidade ou não de novas modificações.

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História
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi criada pelo Decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943, assinado em um grande evento festivo no Estádio São Januário, no Rio de Janeiro, e sancionado pelo então presidente Getúlio Vargas no período do Estado Novo. Inspirada na Carta del Lavoro (1927) do governo italiano de Benito Mussolini, a CLT surgiu de uma necessidade constitucional após a criação da Justiça do Trabalho em 1939 e unificou a legislação trabalhista brasileira.

Juntamente com as comemorações do Dia do Trabalho em 2013, a principal norma legislativa brasileira que trata do tema, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), completa 70 anos. Criada quando o Brasil era regido por um diploma constitucional imposto pela ditadura de Vargas e dentro da realidade do Estado Novo, em sua história, a CLT acabou sofrendo quase 500 alterações para adaptar a legislação à modernidade das relações trabalhistas.
Entre as tentativas de acompanhar a modernização das últimas décadas, a CLT incorporou normas relativas ao trabalho a distância e aos meios informatizados de controle dessa atividade, à jornada de trabalho em tempo parcial, a especificações quanto a operações perigosas que envolvem o emprego, além de novas regras de licença-maternidade e contratos de aprendizagem. Apesar de não ter sido incorporada especificamente à CLT, a PEC dos Empregados Domésticos também é considerada um avanço nas relações trabalhistas modernas.

Mesmo com todas essas mudanças, especialistas divergem sobre a eficácia da regulamentação dada pela Consolidação. Há críticas que envolvem o foco da lei, as alterações constantes que, algumas vezes, são consideradas ineficientes, e a falta de flexibilização das normas que, na visão dos empregadores, acaba inibindo a criação de novos postos de trabalho.
Entre essas críticas, está a feita pelo advogado especialista em Contencioso Trabalhista, Raphael Augusto Campos Horta, para quem a CLT deveria transportar o foco principal para a promoção das construções de relações de trabalho. “A CLT se formou em cima da figura do empregado. Ela deve ser protetiva, mas criou uma proteção tão exagerada, que prejudica as condições de se criar novas relações”, aponta.
Esse foco no empregado pode ser justificado pelo momento histórico que o Brasil vivia em 1943, segundo a advogada trabalhista Cristiane Haik. Ela explica que havia um início de industrialização e era necessária uma lei austera e rígida para regular as questões de trabalho. “Naquele momento, o trabalhador era a parte mais fraca e desprotegida e até desconhecedora dos próprios direitos”, relata. Mas agora, com as mudanças dos meios de trabalho e dessa relação entre empregado e empregador, ela defende que a CLT passe a ter a força de um código mais adaptado à realidade. “Temos que clamar por mudanças significativas, não há como pontuar uma grande e importante alteração nesses 70 anos de existência”, diz.
Defesa
Já o advogado trabalhista e presidente da Comissão de Direito Material do Trabalho da OAB-SP, Eli Alves da Silva, acredita que a CLT não está engessada. “Podem existir algumas críticas sobre algumas questões específicas, mas depende da análise que se faz, se é pró-empregado ou pró-empregador”, explica. “O conflito entre capital e trabalho sempre vai existir, mas ele deve ser resolvido de maneira harmoniosa”, complementa.
A desembargadora Rose­marie Diedrichs Pimpão, presidente do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná (TRT-PR), defende a mesma visão do advogado. Ela cita como exemplo dados recentes divulgados pelo FMI que revelam que o Brasil é o país que acumula a maior redução da taxa de desemprego desde 2008 e também pesquisas do IBGE que apontam que o desemprego em março foi o mais baixo dos últimos 11 anos no país.
“A CLT tem passado por transformações que permeiam as décadas, mas nem por isso tornou-se uma ‘colcha de retalhos’. Ao contrário, teve solidificados vários de seus preceitos na própria Constituição de 1988”, aponta a desembargadora. “O taylorismo e a produção em série vêm cedendo lugar a novos modos de produção: teletrabalho, homeworking, mobilização de competências, terceirização e outras gradações sutis modificativas das relações que estão sendo incorporada pela CLT.”
Flexibilização abre precedentes perigosos
Na busca por modernização nas regras que envolvem as relações trabalhistas diante das exigências e mudanças no mercado, especialistas e empregadores reclamam a flexibilização da CLT. “Já passou do momento de tornar as decisões mais liberais entre o trabalhador e o empregador, dando mais autonomia de negociação aos sindicatos e para as próprias comissões formadas por empregados”, acredita a advogada trabalhista Cristiane Haik.
Apesar de também ser apontada pelo advogado Eli Alves da Silva como uma questão a ser discutida, essa flexibilização abre precedentes perigosos. “Há um temor que isso possa resultar em tirar direitos”, diz. Ele faz coro com a presidente do TRT-PR, para quem a flexibilização deixou de ser um vocábulo preciso para denominar as propostas de diminuição da massa salarial. “É um eufemismo para os que não querem confessar o desejo de retirar a renda do obreiro, transferindo-a as grandes corporações e ao mercado especulativo financeiro”, complementa Rosemarie.
Súmulas
Judiciário acaba preenchendo as lacunas

Apesar de ser uma compilação da legislação trabalhista brasileira, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ainda apresenta lacunas regulatórias que acabaram sendo complementadas por súmulas editadas pelos tribunais. Essas brechas são apontadas pelos especialistas como causa de insegurança jurídica nas relações de trabalho.
O exemplo mais citado pelos especialistas é a falta de legislação específica sobre as regras de terceirização. Hoje, essa condição é regida pela Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). “É o maior exemplo de que a nossa legislação está defasada, já que estamos em um mundo globalizado com a terceirização em voga há tantos anos. Essa súmula serve de guia para as empresas quando deveríamos ter uma lei detalhando essa condição”, aponta a advogada especialista em direito do trabalho Cristiane Haik.
Existem no Congresso Nacional pelo menos três projetos de lei em trâmite que pretendem preencher essa lacuna. “Ora um ganha força, ora outro, mas o fato é que nada sai do papel”, diz Cristiane. “Existe uma tentativa de unificação da jurisprudência para que possa haver uma agilidade nas decisões. Entretanto, isso decorre de uma falta legislativa, pois infelizmente as leis acabam deixando lacunas para interpretações e é exemplo de uma inércia do Poder Legislativo”, acredita o advogado trabalhista e presidente da Comissão de Direito Material do Trabalho da OAB-SP, Eli Alves da Silva.
Mesmo com legislação específica no tratamento de alguns temas, o advogado especialista em Contencioso Trabalhista Raphael Augusto Campos Horta diz que algumas normas da CLT acabam confundindo o empregador e nem sempre são compreendidas pelos próprios trabalhadores. “Recentemente, houve uma garantia de adicional de periculosidade ao empregado exposto a assaltos e roubos, mas o empregador não sabe em que condições vai dar esse adicional”, aponta.
Fonte: Jornal Gazeta do Povo

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